DIZ SOCIÓLOGO AMERICANO EM ENTREVISTA Á REVISTA ÉPOCA
A
orientação sexual não é definida naturalmente, mas sim influenciada pela
sociedade, afirma um dos mais importantes estudiosos do sexo
Gisela
Anauate
'Ninguém inventa as próprias fantasias. Elas são partes
de uma peça que as pessoas montam em sua cabeça - mas cujo enredo já está escrito'
Ninguém
nasce gay ou heterossexual. O desejo sexual, ao contrário do que se imagina,
não tem origem nos instintos naturais do ser humano, diz o sociólogo americano
John Gagnon. Ele faz estudos sobre sexo há 40 anos. Foi um dos primeiros a
contrariar a perspectiva defendida pelo sexólogo Alfred Kinsey, que afirmava
ser o sexo um instinto natural. Em contrapartida, Gagnon propôs a idéia de que
o comportamento sexual é completamente regido por regras sociais. O livro Uma Interpretação do Desejo, lançado na semana passada no Brasil, é o primeiro de John
Gagnon publicado em português. Reúne os mais importantes ensaios do
pesquisador.
O
filósofo francês Michel Foucault credita a Gagnon a base de seus estudos sobre
a sexualidade do ponto de vista sociológico. E por que Foucault ficou mais
famoso que ele? 'Porque ele é francês, e ainda por cima filósofo, o que é muito
chique. Eu sou só um pobre sociólogo americano!', disse Gagnon em entrevista a
ÉPOCA.
JOHN
GAGNON
Quem ele é: Sociólogo
americano de 74 anos, é casado e tem quatro filhos
O que ele faz: Professor
emérito da Universidade do Estado de Nova York
O que ele estuda: É
um dos pioneiros no estudo sobre sexo. Publicou 12 livros e 100 artigos. Na
semana passada, lançou o primeiro no Brasil, Uma
Interpretação do Desejo
ÉPOCA - Existe um impulso natural nos seres humanos
para fazer sexo?
John Gagnon - Não. As
pessoas agem impulsivamente, sem pensar no que estão fazendo. Mas não existe um
impulso natural para o sexo. Como todo mundo faz sexo, achamos que somos
impelidos a isso. Em minha carreira, analisei como os atos sexuais são
diferentes em épocas e lugares diversos:
do
Brasil de hoje à Rússia de cem anos atrás. As atividades sexuais são parecidas,
mas as razões ou motivações que levam as pessoas a transar são diferentes.
ÉPOCA - Há um conflito entre nossas necessidades
sexuais e a repressão imposta pela cultura?
Gagnon - Não há
um conflito entre o que está dentro do indivíduo e o que a cultura diz, mas sim
um conflito dentro da cultura. Entre o que as pessoas gostariam de fazer e o
que é considerado apropriado. A cultura oferece diversas possibilidades. Você
pode querer ter relações homossexuais,
fazer
sexo só no casamento, transar com uma pessoa bem jovem ou mais velha. Todas as possibilidades
estão lá, mas a cultura também nos diz quais são as corretas.
ÉPOCA - A orientação sexual é socialmente determinada?
Gagnon - Sim.
Existem evidências de que a homossexualidade é construída socialmente. É uma capacidade
aprendida, não algo com que se nasce.
ÉPOCA - Mas essa visão social não alimenta o discurso
conservador de que o gay pode virar hétero?
Gagnon - Sim,
desde que os conservadores também admitam que um hétero pode virar gay. A sexualidade
é mais flexível do que permitimos.
ÉPOCA - A atração sexual também é socialmente
aprendida?
Gagnon - É. Nós
costumamos reduzir o que achamos atraente nos outros. Há um rol de coisas que podem
causar excitação sexual e a maior parte das pessoas não vê. No começo do século
XX, o que homens e mulheres achavam sexy era diferente do padrão de hoje. Tudo
depende da cultura, do que a pessoa aprendeu que deve desejar.
ÉPOCA - O que acha da escala Kinsey, que identifica a
preferência sexual em seis estágios que variam da homossexualidade total à heterossexualidade
total?
Gagnon - É um
jeito interessante de pensar a sexualidade, mas deixa de lado todos os fatores sociais.
Kinsey queria criar uma variável contínua, mas as pessoas vivem de modo
descontínuo. Há uma diferença entre ter uma identidade sexual e uma prática
sexual. Um homem que se diz gay não
é
homossexual apenas porque faz sexo com homens. Ser gay tem a ver com o
comportamento com os amigos, a política etc. O gay é uma nova pessoa social. Há
homens que só têm relações sexuais com homens, mas não se apresentam como gays
porque não pensam como gays.
ÉPOCA - As fantasias sexuais também são desenhadas socialmente?
Gagnon - Sim.
Ninguém inventa as próprias fantasias. Elas são partes de uma peça que as
pessoas montam em sua cabeça, mas cujo enredo já está escrito. Lembro de uma
vez em que andava de carro com minha filha e suas amigas de 12 anos. Elas se esqueceram
de que eu estava ali e começaram a falar de suas fantasias sexuais. Uma delas
disse: 'Penso em ir à praia num Porsche e caminhar na areia de mãos dadas'. A
garota seguinte disse: 'Penso em ir à praia com um jovem bonito, num carro chique...'.
Todas as histórias eram iguais! Se eu fosse um pai careta, teria me
tranqüilizado naquele momento,
pois
nenhuma delas falava de sexo. Elas só sabiam o script do romance.
ÉPOCA - E por que o romance é tão importante?
Gagnon - As
relações românticas datam do início da Idade Média, mas não eram sexuais. Nos
anos 30, por exemplo, Judy Garland e Mickey Rooney faziam sucesso nos filmes
como par romântico, mas nunca falavam em sexo. Só mais recentemente o sexo com
romance se tornou importante.
ÉPOCA - Qual é sua teoria sobre papéis sexuais?
Gagnon - Os
papéis são os elementos que você tem de saber para poder se relacionar com o
outro. Quando quer fazer sexo, você se pergunta: é a pessoa apropriada?; é
homem ou mulher?; é meu chefe?; dá para fazermos sexo na sala de casa?;
fechados no escritório? A pessoa é um ser social e sabe quais situações serão
aceitas. Tudo é aprendido. Não está incrustado no corpo.
ÉPOCA - Como os papéis são aprendidos?
Gagnon - As
pessoas aprendem a ser sexuais da mesma maneira que aprendem a jogar futebol: praticando.
ÉPOCA - No passado, quando sexo era um tabu, como as
pessoas
aprendiam a exercer seus papéis sexuais?
Gagnon - Todos
os filmes tinham cenas de beijo e, às vezes, uma garota ficava grávida. Muitos
jovens achavam que beijar engravidava. Mas havia
outras
fontes de conhecimento. Os encontros duplos no drive-in, por exemplo. O casal
sentado no banco da frente olhava o retrovisor para ver o que fazia o casal no
banco de trás. Meninos e meninas conversavam entre si e também com amigos do
mesmo sexo. Se voltarmos no tempo, quando não havia cinema, as pessoas
aprendiam nos livros, observando animais ou vivendo em casa sem muita privacidade.
ÉPOCA - Várias formas de conduta sexual vêm sendo
aceitas. Qual será o futuro se continuarmos a nos abrir para novas
possibilidades?
Gagnon - Não
vamos fazer nada fisicamente diferente. Todo mundo acha que as pessoas vão
fazer mais sexo. Mas o corpo é um recurso limitado e há apenas alguns arranjos
possíveis. O interessante não são as atividades físicas, mas a forma como as
pessoas encaixam o sexo dentro de sua vida. O futuro não será simplesmente
físico, mas cultural.
ÉPOCA - Como isso vai acontecer?
Gagnon - A
próxima geração será mais racional em relação à vida sexual. Vai pensar por que
o sexo é importante: se é uma fonte de prazer, o que significa estar com esta
ou aquela pessoa. Ao mesmo tempo, os jovens vão perceber que sexo não é o que
há de mais relevante na vida. Temos de pensar em como viver longos
relacionamentos com ou sem sexo. No futuro, ficaremos melhores nisso.
ÉPOCA - E o sexo na internet?
Gagnon - A
tecnologia pode tanto melhorar como piorar nossa vida sexual. Muitas vezes,
quem toma Viagra não pensa se a ereção prolongada agradará ao parceiro, o
usuário final. Os brinquedos sexuais e até o sexo pela internet também podem
ter bons e maus usos. O problema é que não sabemos como dosá-los.
Fotos: Marcos Serra
Lima/ÉPOCA, Album-Online/Stock Photos
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